quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

1º Aula: Fundamentos Históricos, Filosóficos e Sociológicos da Educação: se apropriando e construindo conceitos acerca da educação na sociedade moderna

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Professor Cássio Diniz

Apresentação

O objetivo desta aula é iniciar com os estudantes o debate acerca das contribuições que os fundamentos da sociologia, da história e da filosofia pode nos oferecer na compreensão do fenômeno educacional na sociedade moderna capitalista, mas precisamente a escola como espaço formal. No entanto, isso não significa que a educação esteja restrita ao espaço escolar tradicional. Do contrário, este fenômeno se manifesta em quase todos os ambientes sociais existentes, desde a família até as instituições. Mas como professores e futuros professores, é importante compreender o papel que o mesmo tem na sociedade moderna capitalista.
Para isso, faremos uso dos conhecimentos e das bases teóricas que a História, a Sociologia e a Filosofia nos oferecem, compreendendo que a educação é um fenômeno social que se manifesta ao longo da história da humanidade e se construiu a partir das necessidades próprias de cada período histórico. Na sociedade moderna capitalista, a educação tornou-se ferramenta de apropriação da realidade, dando à escola o caráter oficial e moldador do ideal humano estabelecido pela ordem social, econômica e política do sistema. Entretanto, as ideias pedagógicas que permeiam este processo partem de como os seres humanos pensem sobre si e sobre tudo, teorizando a sua própria existência.
Ao final desta primeira aula esperamos ter contribuído com os estudantes com algumas reflexões que acreditamos ser importantes, como:

• Entender que a educação não é neutra, ao contrário, possui uma intencionalidade;
• Identificar que existem diferentes conceitos de educação;
• Compreender que a educação não é uma prerrogativa apenas da escola, que ela ocorre em diferentes espaços sociais.

O ser humano e o processo histórico de sua formação

Quando pensamos na nossa própria realidade, muitas vezes somos permeados por idéias pré-concebidas na esfera do senso comum. Na maioria dos casos não buscamos refletir profundamente e abusamos do pragmatismo para estabelecer certas concepções que buscam explicar o que somos e como somos. Acreditamos que essas ideias são as únicas e que nos resta apenas segui-las.
Dermeval Saviani, em seu livro Educação: do senso comum a consciência filosófica, aponta a necessidade da superação desta forma de compreensão da realidade. Ele propõe que o ser humano vá além da simples absorção das ideias dominantes e alicerçadas pelo senso comum, e que busque por meio da reflexão filosófica a apreensão de sua realidade, participando inclusive da construção do conhecimento que alicerce esta reflexão. Isto é, que o mesmo torne-se sujeito de sua própria existência.
No entanto, para que isso aconteça, precisamos entender que o ser humano se constrói a partir de sua própria existência ao longo da história. Isto é, a história humana não é apenas um amontoado de fatos de um passado distante, mas se configura enquanto um processo em constante transformação, no qual o passado, o presente e o porvir constituem-se como um contínuo infinito.
O ser humano é antes de tudo um ser social. Não vive e sobrevive no mundo sozinho e isolado, sobrevivendo apenas em sua individualidade. Sob diversas formas, é um ser que se interage com outros seres, de forma direta ou indireta, na busca por sua sobrevivência. Desde as primeiras comunidades (de forma simples) até a atualidade (de forma complexa) os homens se relacionam entre si na formação das condições que garantam a sua existência material, mesmo que essa busca seja motivada por interesses individuais. Estabelecem-se então relações econômico-sociais entre as partes, no qual o trabalho é a principal – e única – fonte dos recursos materiais necessários para a sobrevivência humana.
Com o desenvolvimento das sociedades complexas, principalmente a partir do século XX a.C., evidenciou-se o surgimento de características econômico-sociais em diferentes grupos. Ao estudarmos a antiga civilização egípcia e grega, perceberemos a formação de grupos nestas sociedades que se apropriarão dos meios de produção coletivos, dando-lhes o caráter de propriedade privada. A riqueza gerada pelo trabalho da maioria nestes meios tornava-se posse de alguns. Da divisão social entre a minoria possuidora destes bens e a maioria que por meio de ser trabalho produz esses bens, mas não os tem, irão surgir as chamadas classes sociais, desiguais entre si mas intrinsecamente interligadas nos modos e modelos de produção existentes em diferentes períodos históricos.
No entanto, o modelo social estabelecido a partir desta divisão não sobrevive por si próprio. A classe social dominante precisa manter este modelo a partir de instrumentos coercitivos, que a impõe por meio de métodos punitivos e/ou morais sobre todos os demais. Daí surge o que chamamos de Estado, ou poder estatal, que como definiu Karl Marx, o comitê central (aparelho de poder) da classe dominante.
O Estado, a serviço desta classe, vai se desenvolvendo ao longo da história. De simples aparelho repressor, ele se torna em um aparelho administrador da sociedade a partir dos interesses da classe que lhe detém o poder.
Mesmo poderoso, ele não tem vida própria. Ao longo da história diferentes modelos de Estado surgiram e desapareceram de acordo com as transformações econômicas e dos modos de produção existentes. Em cada período histórico e em cada civilização específica, o Estado era o reflexo político do modelo econômico existente. Por isso o Estado Romano era diferente do Estado Medieval, que era diferente do Estado Absolutista, que é diferente do Estado Burguês, assim por diante.
Paralelo a isso, as sociedades divididas em classes sociais desenvolveram formas de pensamento que buscam interpretar, no campo das ideias, a realidade humana. De forma simplória ou erudita, os homens buscaram entender e teorizar a significação dos fenômenos e eventos da realidade. No entanto, muitas destas interpretações representavam interesses de determinadas classes sociais, e a classe dominante, como hegemônica nas sociedades, tomou-se a primazia da elaboração destas ideias. Até meados do século XVIII chamamos esse conjunto de ideias que se estabelecem socialmente de mentalidades. Com as transformações ocorridas a partir do século XVIII e a ascensão do capitalismo, chamamos este fenômeno de ideologia.

Ideologia, de acordo com os escritos de Karl Marx, é aquele sistema ordenado de normas e de regras (com base no qual as leis jurídicas são feitas) que obriga os homens a comportarem-se segundo as vontades “do sistema”, mas como se estivessem se comportando segundo a sua própria vontade. Disponível em: http://www.usp.br/fau/docentes/depprojeto/c_deak/CD/4verb/ideolog/index.html

Revoluções burguesas e a ascensão do capitalismo: o papel da educação

Entendemos a educação como um dos processos de formação cultural do ser, sob a forma individual e/ou coletiva. Este processo visa construir no ser humano a capacidade de absorver e formar conhecimento e interagir no mundo social e do trabalho, tendo como prioridade a sua formação enquanto ser social.
Segundo Émile Durkheim, a educação é essencialmente o processo pelo qual aprendemos a ser membros da sociedade. Educação é socialização! Para ele, é uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. E, afirma que existem certos costumes e regras que precisam e devem ser obrigatoriamente transmitidos no processo educacional, gostemos ou não deles.
No século XVIII a humanidade presenciou as chamadas revoluções burguesas. Isto é, processos revolucionários que tiveram como sujeitos sociais a florescente burguesia e que tinha como objetivo a superação das contradições econômicas, sociais e políticas existentes no Antigo Regime e representadas no Estado Absolutista hegemonizado pela nobreza feudal. Com isso o nascente capitalismo teve suas amarras políticas soltas e um novo aparelho político – o Estado burguês – que assumiria o controle da sociedade.
Já segundo Karl Marx e os teóricos da Pedagogia Histórico-Crítica, a educação a partir de então ganha um papel especial. Antes aceita apenas como processo de formação de uma elite política e intelectual, a educação será vista como o instrumento de doutrinação ideológica da nova classe dominante, ensinando os valores da burguesia e que hoje tomamos como as de toda a sociedade.
A sociedade capitalista, desde seu início, desenvolveu as suas contradições. Longe de superar as mazelas existentes anteriormente, o novo sistema aprofundou as desigualdades sociais, a exploração e a opressão entre as diferentes classes sociais, que neste caso se configuraram em duas: a burguesia e o proletariado .
Apesar de não ter sido a primeira vez na história, percebeu-se a necessidade de se impor de fato uma ideologia que destruísse a identidade de classe que o proletariado e demais classes oprimidas poderia adquirir. E a melhor forma de se impor uma ideologia burguesia que corroborasse o ideal capitalista seria justamente a educação oficial/formal oferecida pela escola institucional.
O Estado burguês vai buscar por meio de seu instrumento, a escola oficial institucionalizada, construir na sociedade os valores ideológicos da burguesia. Como diria Althusser, “a ideologia tem uma existência material. Isso significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em práticas materiais definidos por instituições materiais” (apud SAVIANI, 2009, p. 20), no qual a escola é o Aparelho Ideológico de Estado. Para a burguesia, transferir esta forma de conhecimento é fundamental para se manter o status quo do sistema. A educação se transformou em uma forma de “doutrinação da esmagadora maioria das pessoas com os valores da ordem social do capital como ordem natural inalterável” (Meszáros, 2008, p. 80).
No entanto, Marx não tem uma visão fatalista da educação. Ele apenas demonstra o papel institucional da escola formal sob controle do Estado. Antes de tudo, Marx aponta que a educação é diretamente relacionada aos interesses de classe. Conforme o conteúdo de classe ao qual estiver exposta, ela pode ser uma educação para a alienação ou para a emancipação. E isso dependerá dos sujeitos sociais que atuarão no processo educacional.


Questões para reflexão

1. Para você, quais são as diferenças entre o senso comum e o pensamento crítico? Dê exemplos:

2. Em sua opinião, é correto afirmar que o ser humano é antes de tudo, um ser social? Justifique:

3. A concepção de educação apresentada por Durkheim é possível de ser percebida em sua vivência tanto de professor, quanto de aluno? Justifique:

4. Você concorda com a definição de escola de Marx? Ela lhe remeteu a alguma lembrança ou experiência que você teve ou tem?