sábado, 28 de abril de 2012

Atividade para o mês de maio

Caras alunas,

Como debatido em sala de aula, este mês teremos uma atividade que deverá ser realizada ao longo de maio. A atividade consiste na elaboração de um texto/síntese de autoria própria, expondo a sua análise acerca do fenômeno educacional (e a escola formal) e usando os textos 2, 3 e 4 como referenciais teóricos.
Procure levar em consideração a exposição de suas idéias, coerentes e bem embasadas teoricamente, procurando fugir do senso comum e em consonância com uma reflexão crítica. Lembrando que o seu texto poderá dar uma contribuição pessoal ao "pensar educação". Por isso o título do texto deve ser também de autoria própria.
O texto deve ser digitado, ter entre 3 e 4 páginas e seguir as normas ABNT: fonte Times New Roman 12, espaçamento 1.5, citações e bibliografia.
O prazo final de entrega será o dia 26/05 (próxima aula presencial). No entanto, as alunas poderão enviar as versões provisórias ao professor por e-mail, para que o mesmo oriente e encaminhe sugestões. Para que isso possa ser possível, é preciso que se enviem com antecedência. 

Atenciosamente,
Prof. Cássio Diniz

Texto para a 3º aula - 26/05/2012


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Uma trincheira chamada educação:
O papel da educação no contexto da luta de classes

Cássio Diniz



Introdução

Nos últimos 30 anos podemos acompanhar o crescimento do ensino básico brasileiro. Segundo dados do Ministério da Educação e de vários institutos de pesquisa relacionados ao assunto, mais brasileiros puderam ter contato com a escola formal no Brasil, em comparação com as décadas anteriores. Além do crescimento do número de jovens em idade escolar matriculados no ensino básico, podemos perceber também a expansão do ensino universitário brasileiro, principalmente na iniciativa privada.

Sobre esta expansão do ensino brasileiro, Valério Arcary faz uma interessante análise da educação enquanto fator de ascensão social:

A mobilidade social relativa através da educação foi um fator de coesão social do capitalismo brasileiro. A coesão social dependeu, essencialmente, do crescimento econômico que levou a formação da moderna classe trabalhadora urbana. O lugar da educação como instrumento de ascensão social foi, entretanto, muito valorizado pela classe média brasileira, que se destacou pelo esforço de garantir a elevação da escolaridade para seus filhos. Durante meio século, entre 1930/80, o aumento da escolaridade foi um importante fator de ascensão social. A educação era um dos elevadores para aceder á classe média. Os incentivos materiais para buscar uma educação superior foram muito importantes. A recompensa econômica na forma de salários, pelo menos, dez vezes maiores do que o salário mínimo, era suficiente para justificar os sacrifícios. (2010)

Apesar desta constatação não representar uma melhora qualitativa da educação brasileira, e seus resultados ficarem muito aquém do esperado (influenciados principalmente por medidas governamentais neoliberais que buscam a transformação da educação enquanto direito em mercadoria), observamos que ocorre no Brasil uma tendência na sociedade, principalmente na pequena-burguesia e no proletariado, em acreditar que a educação é o grande fator subjetivo que provocará mudanças estruturais no país, retirando o mesmo do estado de paralisia econômica e social reinante nos últimos cinco séculos. E isso tem sido também o discurso usado tanto pelo governo federal quanto nos governos estaduais recentes, apesar de rezarem da cartilha neoliberal. Mesmo diante de resultados parcos, a idéia ainda persiste entre muitos.

Mas até quando é possível defender a idéia de que a educação é que provocará as tais mudanças? Será que os problemas enfrentados pela sociedade, como a miséria de muitos, a exploração, a concentração de renda e a desigualdade social serão resolvidos ou remediados simplesmente aumentando o acesso da população à escolarização? Ou será que o problema é mais estrutural? E estes questionamentos tornam-se maiores em aqueles que desejam realmente a transformação social do país e a superação de seus grandes desafios.

Reiteramos que não buscamos uma visão elitista de educação e muito menos condenar o processo de expansão do ensino básico brasileiro, mas acreditamos ser necessário observar, com um olhar mais crítico, certas idéias-comuns que vão sendo construídas sobre este assunto. Talvez mergulhemos aqui em algumas polêmicas bastante interessantes ao longo deste trabalho. Como diria Carlos Bauer, em seu artigo Política de Expansão do Ensino Superior: a Classe Operária vai ao Campus:

[...] é imperativo reconhecer que a educação, por si só, não é capaz de provocar mudanças profundas na estrutura social existente. Sabe-se que este tipo de postura constitui ingenuidade. (2006, p. 465)


Afinal, o que seria a educação?

Entendemos como educação o processo de formação cultural do ser, sob a forma individual e/ou coletiva. Este processo visa construir no ser humano a capacidade de absorver e formar conhecimento e interagir no mundo social e do trabalho, tendo como prioridade a sua formação enquanto ser social.

Mas ao longo da historia vimos que a educação tem tomado caminho distinto das palavras acima. Até a formação da civilização grega, e posteriormente da romana, a educação foi encarada de forma coletiva, buscando a produção e a reprodução do conhecimento para o uso coletivo da comunidade. Mas com o aumento da complexidade destas comunidades, isto é, o aprofundamento das divisões sociais e o crescimento do aparato estatal, a educação perdeu o caráter coletivo e tornou-se posse de uma elite social e política. A educação, restrita aos donos do poder, tornou-se um instrumento que mantinha a estrutura do sistema, ou em outras palavras, sedimentava o status quo. Para as classes oprimidas e subalternas (camponeses, artesãos, servos, escravos, etc.) a simples capacidade da escrita e da leitura era algo raro. Aníbal Ponce, em seu livro Educação e Luta de Classes, diz sobre a educação destinada ao povo neste período:

A finalidade dessas escolas não era instruir a plebe, mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-las dóceis e conformadas. (2000, p. 89)

Essa idéia de apropriação da educação formal por uma classe social vai atravessar toda a Idade Média e Moderna até o momento em que este paradigma for quebrado pelas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais do século XVIII.

O Iluminismo, doutrina burguesa oriunda da crítica às contradições do Antigo Regime, vai defender que a educação deve ser um direito a todos os cidadãos, não importando a sua classe social. Foi a primeira vez que se quebrou a idéia de que a educação é exclusividade dos filhos da classe dominante, sendo que a consigna principal era “educação publica, universal, gratuita e laica”. Mas ao florescer das revoluções burguesas e a construção do Estado Burguês (como na França, Inglaterra e os Estados Unidos), vimos que o discurso iluminista vai ser “levemente” modificado. A educação, de certa forma, continuará sendo um direito a todos, dentro do possível, mas haverá uma profunda diferença entre os tipos de educação a ser oferecida para os indivíduos oriundos de classes sociais diferentes. Enquanto que para a burguesia a educação terá como objetivo formar a elite econômica e política da nação, para o proletariado a educação servirá para formar uma força-de-trabalho responsável pela produção. A primeira necessitaria de uma educação mais aprofundada e de melhor qualidade, a segunda precisaria apenas de uma formação bem básica, o suficiente para garantir a continuidade e agregando valor ao trabalho.

Nas “grandes escolas” – diz Basedow, em seguida – além de ensinar a ler, a escrever e a contar, os mestres também devem cuidar “daqueles deveres que são próprios das classes populares”. Mas como nessas escolas só existia um só professor, que estava encarregado de ensinar muitos alunos de idades bastante distintas [...] Basedow se consolava com estas palavras simples e chocantes: “Felizmente, as crianças plebéias necessitam de menos instrução do que as outras, e devem dedicar metade do seu tempo aos trabalhos manuais.” (PONCE, 2000, p. 137)

Mesmo assim muitos países levaram séculos para absorver este ideal. A educação de uma elite quase sempre foi a única preocupação para a maioria dos governos, deixando de lado a maioria da população. Esta situação acabou encontrando um limite ao passo do desenvolvimento do capitalismo e da complexidade dos novos modos de produção a partir do século XIX. Era necessário, para a elite, instruir sua mão-de-obra a fim de se adequar as novas tecnologias. O atraso neste sentido representaria o atraso econômico do país.

Diante deste desafio, o estado brasileiro buscou reverter a lógica existe há séculos, elaborando uma nova política em educação nos últimos 30 anos, onde se buscou a universalização da educação, obrigando o ensino fundamental (e agora o médio) à todos os jovens em idade escolar. Além disso, abriu para a iniciativa privada o mercado da formação profissional em nível técnico e superior, buscando recuperar o tempo perdido na formação da força de trabalho e do capital humano suficiente para o desenvolvimento do capitalismo no país, além, é claro, abrindo um novo ramo lucrativo para o capital. Mas em se tratando de projeto de educação, devemos nos perguntar: qual o modelo de nação queremos construir? E será que tais modelos dominantes atualmente atendem de fato a maioria da sociedade, isto é, os trabalhadores?


Educação como algo a mais no sistema

Além destas transformações, a educação também se transformou em um poderoso instrumento ideológico e cultural. Com o desenvolvimento das relações sociais de produção, evidenciou a disputa direta entre as antagônicas classes sociais (burguesia e proletariado) do capitalismo. A luta de classes e o aumento da consciência da realidade colocaram-se como elementos que em algum momento poderia abalar o sistema e provocar sua queda.

Apesar de não ter sido a primeira vez na história, percebeu-se a necessidade de se impor de fato uma ideologia que destruísse a identidade de classe que o proletariado e demais classes oprimidas poderia adquirir. E a melhor forma de se impor uma ideologia burguesia que corroborasse o ideal capitalista seria justamente a educação oficial/formal oferecida pela escola institucional.

Como diria Karl Marx, o Estado é o comitê central da classe dominante. O Estado burguês, como legítimo representante desta classe, vai buscar por meio de seu instrumento, a escola oficial institucionalizada, construir na sociedade os valores ideológicos da burguesia. Como diria Althusser, “a ideologia tem uma existência material. Isso significa dizer que a ideologia existe sempre radicada em práticas materiais definidos por instituições materiais” (apud SAVIANI, 2009, p. 20), no qual a escola é o Aparelho Ideológico de Estado.

O domínio da burguesia sobre a sociedade baseia-se, entre outras coisas, no domínio ideológico. Impor sua visão de mundo é a principal característica da educação formal executada nas escolas públicas (a serviço do estado) e nas escolas privadas (a serviço direto do capital). Transferir este conhecimento é fundamental para se manter o status quo do sistema. A educação se transformou em uma forma de “doutrinação da esmagadora maioria das pessoas com os valores da ordem social do capital como ordem natural inalterável (Meszáros, 2008, p. 80). Como diria Luiz Antonio Cunha:

O conhecimento tem sempre um caráter de classe, é sempre um conhecimento de classe. Por isso, ele tem na posição de classe do sujeito que conhece uma condição necessária (mas não suficiente) da verdade. (1977, p. 17)

Diante de tal constatação, como é possível defender a possibilidade de transformação sócio-econômica e política por meio da educação formal se a escola é um instrumento da superestrutura do capitalismo? Poderia o Estado burguês provocar a implosão do próprio sistema?


Paulo Freire e a educação libertadora

Na década de 1950, num período no qual ganhava corpo a idéia da Escola Nova e os trabalhos de Anísio Teixeira, o Brasil pôde acompanhar o nascimento de uma nova metodologia de ensino que acabou se transformando em uma teoria do conhecimento. Com o propósito de buscar sanar o problema no analfabetismo em jovens e adultos, Paulo Freire revolucionou a forma de pensar a educação, ao defender que o mesmo deve ser usado para emancipar o homem do obscurantismo e da opressão, ao invés de acorrentá-lo ainda mais. Em sua tese Educação e Atualidade Brasileira, ele diz:

Parece-nos, deste modo, que, das mais enfáticas preocupações de uma educação para o desenvolvimento e para a democracia, entre nós, há de ser a de oferecer ao educando instrumentos com que resista aos poderes do desenraizamento de que a civilização industrial, a que nos filiamos, está amplamente armada. Mesmo que armada igualmente esteja ela, sobretudo, de meios com os quais vem crescentemente ampliando as condições de existência do homem. Fatores de massificação do homem, vale afirmar, resistência à distorções de sua consciência ingênua a formas mais perigosamente incomprometidas com sua existência do que a representada na consciência, por nós chamada de intransitiva. Uma educação que possibilite ao homem discussão corajosa de sua problemática. De sua inserção nesta problemática. Que o coloque em diálogo constante com o outro. Que o predisponha a constantes revisões. À análise crítica de seus achados. A uma certa rebeldia no sentido mais humano da expressão. Que o identifique com métodos e processos científicos. (FREIRE, 1959, p. 33)

Essa nova forma que Paulo Freire dava para a educação provocou uma profunda reflexão sobre o tema e transformou toda uma idéia sobre o papel do ensino para a humanidade, apesar de que no início o próprio autor não tinha uma dimensão da necessidade da transformação real na sociedade:

Em meus primeiros trabalhos, não fiz quase nenhuma referência ao caráter político da educação. Mais ainda, não me referi, tampouco, ao problema das classes sociais, nem à luta de classes (...). Esta dívida refere-se ao fato de não ter dito essas coisas e reconhecer, também, que só não o fiz porque estava ideologizado, era ingênuo como um pequeno-burguês intelectual (1979, p. 43)

Mesmo no início defendendo o nacional-desenvolvimentismo por meio da educação, Paulo Freire teve que se exilar com a ascensão da ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985). Com o tempo, ele desenvolveu seu pensamento pedagógico, no qual teve como fruto a sua obra mais conhecida, Pedagogia do Oprimido, onde pôde finalmente expor sua visão de educação como instrumento de libertação do homem.

Uma vez no exterior, suas idéias foram estudadas e aplicadas em diversos países, em destaques as nações africanas que se libertavam do domínio colonial. Foram as primeiras experiências de adoção desta prática por dentro de regimes, muitos dos quais eram “consideradas” socialistas. O próprio Paulo Freire teve a sua oportunidade ao estar à frente da Secretaria de Educação do município de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina, após a redemocratização do Brasil.


Da teoria revolucionária a prática revolucionária

Com o tempo, as experiências práticas das idéias de Freire na educação formal encontraram muitas barreiras, além de profundas contradições impostas pelo próprio sistema. Não que suas idéias estejam equivocadas. Pelo contrário, se usadas pelos educadores como forma de buscar a emancipação do homem, estará contribuindo para a construção de algo novo, mas apenas como instrumento para uma ação maior.

Mas diante desta nova realidade, cabe-nos fazer uma pergunta: é possível transformar a estrutura social vigente, acabar com a miséria e a desigualdade social, isto é, construir uma sociedade justa e igualitária, por meio da educação formal, principalmente aquela oferecida pelo Estado? Marx nos dá uma visão:

Uma “educação do povo a cargo do Estado” é absolutamente inadmissível. (...) Ao contrário, é preciso pelas mesmas razões, banir da escola qualquer influência do governo e da igreja. (...) é o Estado que precisa ser rudemente educado pelo povo. (apud ORSO, 2008, p. 102)

Parece-nos então que a transformação da estrutura social não poderá ser alcançada por meio dos próprios organismos estatais, como a escola institucional. Esta escola, inserida no contexto e organizada pelo Estado burguês, buscará camuflar as contradições existentes no sistema e, em essência, fará a sua defesa. Não é a toa que vemos a insistência, por parte das secretarias de educação, em projetos político-pedagógicos escolares em sintonia com um projeto único de governo, além das famosas avaliações de desempenho que buscam limitar a autonomia de educadores. Mas isso não significa que a educação como um todo não é importante para o processo de destruição do capitalismo. Ao contrário, ela se transforma em um instrumento importantíssimo para o proletariado avançar na construção de um mundo justo e igualitário.

Cabe-nos lembrar que a transformação radical da estrutura social é o resultado de um processo revolucionário, que no caso, deve ser orquestrado pela classe explorada diretamente pelo capital. Esse processo é dado pela ação direta, na dinâmica da luta de classes, por meio do combate econômico e político contra a burguesia. “Longe de entender a educação como determinante principal das transformações sociais, reconhece ser ela elemento secundário e determinado” (Saviani, 2009, p. 59). A educação deve ser vista como fator, por vezes decisivo, que possibilite instrumentalizar o proletariado, e não como substituto da ação direta do mesmo.

Dermeval Saviani, em seu livro Escola e Democracia, defende a construção e o domínio do conhecimento historicamente acumulado – e construído – pela humanidade com o intuito de aplicá-la para superar a sociedade capitalista. Baseando-se em Gramsci, ele vai defender que uma vez dominado o conhecimento, o proletariado forme os mecanismos necessários a serem usados nos conflitos diretos e indiretos da luta-de-classes. A isso Saviani chamará de Pedagogia Histórico-Crítica. E mais:

Eis aí o sentido da frase “a verdade é sempre revolucionária”. Eis aí também por que a classe efetivamente capaz de exercer a função educativa em cada etapa histórica é aquela que está na vanguarda, a classe historicamente revolucionária. Daí o caráter progressista da educação. [...] (Saviani, 2009, p. 79)

Mas esta pedagogia Histórico-Crítica teria espaço na escola formal? Além de usada na chamada educação informal, aquela ministrada por movimentos sociais, como sindicatos, partidos e comunidades de base, entre outros, a luta pela construção da consciência revolucionária por meio da educação pode encontrar na escola institucional um terreno propício para o seu florescimento. A escola pública, por excelência, é a escola da classe trabalhadora, e não há outro caminho que não seja garantir a esta classe o conhecimento necessário que lhe possibilite interpretar cientificamente o mundo em que vive, além, é claro, instrumentalizá-lo na luta pela construção de uma sociedade econômica e socialmente igualitária. Como diria Trotsky:

Se não esquecermos que a força motriz do processo histórico são as forças produtivas que liberem o homem do domínio da natureza, então compreenderemos que o proletariado necessita apoderar-se de toda a soma do conhecimento e da capacidade elaborada pela humanidade no curso de sua história, para poder emancipar-se e reconstruir a vida sobre a base dos princípios de solidariedade. (apud BAUER, 2008, p. 12)

A escola publica se transforma, então, em espaço de disputa da consciência de seus alunos, isto é, num campo onde se combaterá o projeto político-pedagógico do Estado burguês, e no qual o proletariado avançará da consciência de classe em si para classe para si. Mas para que isso ocorra é necessária a ação de educadores comprometidos com um projeto de uma sociedade diferente. O compromisso do educador com a verdade transformadora é importante nesta ação e, assumindo este compromisso, estará assumindo a defesa e luta de uma classe:

[...] numa sociedade dividida em classes, a classe dominante não tem interesse na manifestação da verdade já que isso colocaria em evidência a dominação que exerce sobre as outras classes. Já a classe dominada tem todo o interesse em que a verdade se manifeste porque isso só viria patentear a exploração a que é submetida, instando-a a se engajar na luta de libertação. (Saviani, 2009, p. 79)

É nesse sentido que ganha importância as organizações de classe, principalmente aquelas ligadas a categoria dos trabalhadores em educação. As entidades sindicais devem ter consciência de que, além de organizarem e dirigirem as lutas econômicas, ser também formadora de agentes para atuarem enquanto educadores militantes de uma causa[1] (daí a importância de uma direção comprometida com um projeto revolucionário). E nisso pode-se incluir as práticas do pensamento freiriano como elemento a mais para a formação do homem livre. Como diria o próprio Freire sobre a ação sindical dos trabalhadores em educação:

A luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética. Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas é algo que dela faz parte. (FREIRE, 1996, p. 74)

Estes professores, formados como intelectuais orgânicos, na concepção de Gramsci, devem buscar transformar a escola formal institucional em uma verdadeira trincheira do proletariado contra a burguesia, na busca pela destruição de um sistema excludente e desigual, e a construção de uma nova sociedade, de fato justa e igualitária. Somente assim poderemos falar em um novo mundo, que nós trabalhadores tanto desejamos.
  

Referências bibliográficas

ARCARY, Valério.  Menos pobre e menos atrasado, mas não menos injusto: diminuição do papel da educação como fator de mobilidade social, in www.pstu.org.br, acessado em agosto/2010.

BAUER, Carlos. Política de expansão do ensino superior: a classe operária vai ao campus, in EccoS, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 449-470, jul./dez. 2006.

BAUER, Carlos. Introdução crítica ao humanismo dialógico de Paulo Freire. Editora José Luiz e Rosa Sundermann. São Paulo, 2008.

CUNHA, Luiz Antonio. Diretrizes para o estudo histórico do ensino superior no Brasil, in Fórum Educacional da Fundação Getulio Vargas. FGV, Rio de Janeiro, jan./mar. 1977.

FREIRE, Paulo. Educação e atualidade brasileira. Tese de concurso para a cadeira de história e filosofia da educação na Escola de Belas-Artes de Pernambuco. Recife, 1959.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à pratica educativa.  Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1996.

MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Textos sobre educação e ensino, 2ª edição, Moraes, São Paulo, 1992.

MESZÁROS, István. Educação para além do capital. 2ª Edição, Boitempo Editorial, São Paulo, 2008.

ORSO, Paulino José; GONÇALVES, Sebastião Rodrigues; MATTOS, Valci Maria (org.). Educação e luta de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

PONCE, Aníbal. Educação e luta de classes. São Paulo. Cortez, 17º edição, 2000.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 41ª edição, Autores Associados, São Paulo, 2009.


[1]  É importante destacar neste momento que cabe aos movimentos sociais, principalmente o movimento sindical docente, a construção de um projeto contra-hegemônico de educação, que atenda de fato os interesses da classe trabalhadora, que tem na escola pública a sua escola. A luta passa a ser também a disputa da consciência da classe trabalhadora, e por isso é necessário a embate contra a ideologia hegemônica da educação imposta pelo capital.

domingo, 8 de abril de 2012

Avaliação dia 28/04/2012

Lembramos que no encontro do dia 28 de abril realizaremos nossa primeira avaliação da disciplina. O conteúdo a ser cobrado será:

  • 1º texto: Fundamentos Históricos, Filosóficos e Sociológicos da Educação: Se apropriando e construindo conceitos acerca da educação na sociedade moderna;
  • 2º texto: Introdução ao livro de Antonio Joaquim Severino;
  • 3º texto: A educação na sociedade de classes: possibilidades e limites.
Este último texto será debatido e suas dúvidas tiradas no período da manhã, sendo a avaliação a tarde.
Para ajudar a refletir o 3º texto, eis algumas perguntas:
  1. Segundo Paulino Orso, por que a educação na sociedade capitalista é limitada?
  2. Qual a relação o autor estabelece entre educação formal/escola e a sociedade em que vivemos?
  3. Quais as possibilidades apresentadas por Orso?
Qualquer dúvida, entrem em contato comigo por e-mail ou facebook.

Abraços

Texto para a 3º aula - 28/04/2012

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A educação na sociedade de classes:
possibilidades e limites
Paulino José Orso[1]


Em um artigo denominado "As possibilidades e os limites da educação"[2], publicado por ocasião das comemorações dos 130 anos da Comuna de Paris de 1871, realizadas em 2001, concluía o mesmo afirmando que quem acredita na educação luta para transformar a sociedade. Pois bem, neste partimos desta premissa para tratarmos da educação na sociedade de classes.
Muito se tem discutido sobre o papel da educação na sociedade, se ela apenas reproduz a sociedade em que está inserida ou se ela é ou pode ser revolucionária a ponto de transformar toda a sociedade.
Entretanto, muitos, em vez de analisa-Ia e compreendê-la de acordo com a categoria da totalidade, caem na perspectiva positivista e simplesmente deslocam-na do conjunto das relações sociais de produção, embrenham-se pelo idealismo e apresentam-na como se fosse capaz de promover o desenvolvimento econômico, garantir o bem estar social e conduzir a todos à felicidade; fazem dela a responsável pelo sucesso ou fracasso de cada um. Analisando-a de forma abstrata, deslocada das contradições e dos antagonismos de classes, atribuem a ela um caráter redentor. Entretanto, existem "n" formas de educação; não é possível para falar de educação abstratamente, nem desconsiderando a história. Além disso, as finalidades com que se educa também não são as mesmas em todas as épocas, em todos os lugares e em todas as sociedades. Simplificando, poder-se-ia dividir a educação em dois tipos: a formal e a informal. A primeira refere-se àquela ministrada em sala de aula, com professores, programas, conteúdos, objetivos definidos, que é realizada de forma sistemática. A segunda diz respeito à realizada cotidianamente, baseada nos costumes, nas leis, nas tradições, nas lutas do dia-a-dia, nas mobilizações, na aprendizagem durante a vida. Ambas são formas de educação e variam de acordo com a sociedade, com as relações de força envolvidas, com a época, com o estágio de desenvolvimento e o lugar em que ocorrem. Mas, afinal de contas, o que é ou em que consiste a educação? Se pudéssemos abarcá-las numa mesma definição, poderia se dizer que a educação é a forma como a própria sociedade prepara seus membros para viverem nela mesma.
Ora, se a educação é a forma como a sociedade educa seus membros para viverem nela mesma, então, para compreender a educação precisamos compreender a sociedade. Assim, na me-dida em que a compreendermos, também entenderemos aquela. Partindo do princípio de que, após o surgimento da propriedade privada dos meios de produção, a história da humanidade tem sido a história das lutas de classes[3] e que atualmente vivemos no modo de produção capitalista, baseado na extração da mais-valia, na exploração, na competição e na concorrência, a educação, submetendo-se às determinações da base material, no geral acaba contribuindo para a reprodução desta sociedade, pois, "na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações de produção necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de desenvolvimento das forças produtivas materiais"[4]. Ou seja, a educação tende a "refletir" a sociedade que a produz, pois, expressa o nível de compreensão dos que a fazem, permitida pela sociedade de cada época, de acordo com a etapa de desenvolvimento e das relações sociais.
Quanto à educação formal, ela geralmente se parece mais com uma forma de adestramento, disciplinarização, treinamento e docilização dos indivíduos, do que como meio de transformação e de revolução social. Mesmo quando tem a preocupação de ser crítica, de subverter a ordem acadêmica e de questionar o sistema vigente, o que é um tanto raro e incomum nos tempos atuais, é envolvida por um amplo aparato disciplinar e burocrático deixando pouco espaço para a flexibilidade e para a realização de experiências alternativas. Além disso, na maioria das vezes, os conteúdos estão mais voltados para ensinar que "a Eva viu a uva", ou seja, conteúdos abstratos, do que para compreender a vida concreta, isto é, a matemática da fome, o português da violência, a geografia e a história da exploração e dos problemas sociais, a ciência da história da vida real dos homens e voltam-se mais para a adaptação, para a alienação e para o conformismo do aluno ao meio do que para desmistificar, para questionar as condições de vida e o modo de produção capitalista.
Esta forma de educação corresponde à essa sociedade, que tem na alienação da força de trabalho e, conseqüentemente, na alienação da consciência um meio de se reproduzir e se perpetuar. E não poderia admitir outra, pois se o fizesse, corresponderia a outra sociedade e não à de classes. Como ela não é constituída por um bloco monolítico, também é permeada por contradições e, eventualmente, até pode permitir a realização de algumas experiências diferentes. Todavia, no geral, predomina um tipo de educação abstrata, necessária à essa sociedade, pois, sendo o determinante maior a base material, da condiciona a consciência estabelecendo-se assim um tipo de educação correspondente a ela. Ou seja, urna educação voltada para estimular o individualismo, para fomentar a competição, para enaltecer a concorrência, para premiar pela produtividade e punir pelos resultados não desejados, permitindo, assim, selecionar os mais aptos e mais adaptados, de acordo com os valores vigentes nessa sociedade — uma educação para a subserviência.
Ao lado desta, na América Latina, têm surgido inúmeras formas de educação popular; umas de forma institucionalizadas outras não. No Brasil, por exemplo, tivemos a experiência realizada por Paulo Freire, em que o aluno, ao mesmo tempo que aprendia a ler e escrever, também era levado a ler, compreender e interpretar o mundo e a sociedade em que vivia. Todavia, a ditadura militar se encarregou de esmagar a experiência e exilar seu idealizador. Em substituição a esse método, implantaram o Movimento Brasileiro de Alfabetização — Mobral, que visava eliminar um determinado conteúdo político e ideológico e substituí-lo por outro, por uma educação moral e cívica, adequada ao militarismo  desenvolvimentista da época.
Mas, se a educação está mais voltada para a adaptação do indivíduo ao meio e se este se constitui na sociedade capitalista em que um homem explora e domina o outro, porque se preocupar em alfabetizar e educar milhões de seres humanos que não sabem ler e escrever? Nossa sociedade é uma sociedade gráfica, isto é, baseada na escrita. Saber ler e escrever significa ter acesso a um mínimo de sociabilidade, ter um mínimo de autonomia individual. Entretanto, a escrita foi inventada há mais de 6.500 anos e um bilhão de pessoas ainda não sabe ler e escrever. No Brasil, por exemplo, ainda temos cerca de 18 a 20 milhões de analfabetos, sem contar os analfabetos funcionais, que mal ou apenas sabem ler e escrever. Portanto, alfabetizar e possibilitar o acesso ao conhecimento formal, não significa fazer nenhuma grande revolução social. Mas, pelo menos, significa permitir que a pessoa saia do estado vegetativo e conquiste um mínimo de autonomia e independência perante o mundo em que vive, ainda que isto seja insuficiente para que realmente seja um homem livre e viva com um mínimo de dignidade.
Mas, mesmo nessa sociedade capitalista, é possível garantir que todas as pessoas tenham acesso a um mínimo de educação formal ou até mesmo à escola pública e gratuita? Para a sociedade capitalista, em sua forma pública ou privada, em princípio não há nenhum problema em oferecer educação para todos. Aliás, paulatinamente vemos o acesso à escola se popularizar cada vez mais, a ponto de que, mais dia menos dia, ela até possa ser universalizada.
No campo da educação, nesse momento também vemos a iniciativa privada avançar a passos largos. Contudo, é possível que em algum momento, de acordo com o grau de exigência social, a chamada educação pública possa vir a ser ofertada a todos (tese esta um tanto utópica, mas perfeitamente possível). Se ela preservar, não questionar e não pôr em risco a propriedade privada, se houver condições econômicas suficiente para bancá-la, não há nenhum problema em universalizá-la. Entretanto, sabemos que a extensão da educação a mais ou menos pessoas, dependerá da pressão da sociedade, da exigência social e das necessidades do capital em cada época. Por isso, ainda que em determinado momento existam as condições materiais necessárias para possibilitá-la a todos, poderá não ser estendida ou somente será oportunizada quando existir pressão popular suficientemente forte e capaz de transformar o potencial em algo real. Pois, ela pode ser utilizada como uma moeda de negociação e canalização das lutas sociais. Por outro lado, se ela for paga, o problema será menor ainda. Pois, até servirá como um campo de extensão e de ampliação do capital em um momento de crise de acumulação, por exemplo.
No momento em que o capital passa por uma profunda cri-se de superprodução, em que o capital encontra-se estrangulado, existem duas saídas para ela. Urna está na imposição da flexibilização e liberalização das fronteiras, no rompimento das barreiras e na desburocratização para abrir novos espaços e campos para o seu desenvolvimento. A outra está na necessidade de queimar e destruir forças produtivas, por exemplo, por meio da guerra, sob pena de provocar seu próprio aniquilamento. Então, a desestatização e a privatização transformam-se em alternativas que permitem desafogar, ao menos temporariamente, a crise do capital e garantir um novo, porém pequeno, período de desenvolvimento, até gerar uma nova crise.
O sucateamento da escola pública e a expansão da escola privada inserem-se dentro das necessidades do capital, uma vez que, "os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados"[5]. Assim, para compreender as características da escola, para entender o processo de expansão e de retração da escola pública, bem como, da expansão da escola particular é preciso entender o processo de desenvolvimento do capital e seus ciclos de desenvolvimento e de crise.
Portanto, é um equívoco centrar a discussão educacional numa abstração em, se ela é ou não é reprodutora, se ela é ou não é transformadora, se ela é ou pode ser revolucionária. Como a sociedade não é homogênea, como está permeada de contradições, de lutas e antagonismos de classes, a educação se transforma de acordo com movimento da sociedade, que ao se transformar e ser transformada, também possibilita uma educação de tipo diferente, adequada à nova realidade. Assim, em cada época e em cada sociedade, a educação "reflete" as condições do desenvolvimento social, o nível de desenvolvimento das forças produtivas e a relação de forças entre as classes envolvidas.
Desse modo, falar da educação numa sociedade de classes, numa sociedade capitalista, significa dizer que ela está voltada à conservação do status quo e à legitimação das estruturas sociais vigentes. Se quisermos ter outro tipo de educação não nos resta outra alternativa senão lutar pela transformação da sociedade.
A sociedade centralizada, hierárquica, especializada, elitista e seletiva como está organizada atualmente, bloqueia, cerceia e inibe as iniciativas que possam desafiá-la. Nesse sentido, como diz Harper,

é certo, porém, que estas experiências, ao aproveitarem as brechas existentes e ao utilizarem os espaços disponíveis, esgotam o campo do possível no interior do sistema escolar. Os educadores, os pais de alunos e os estudantes que conseguirem criar esses espaços de liberdade e de experimentação fazem de sua prática educativa uma negação viva do modo de organização social dominante e do tipo de escola seletiva e elitista que lhe é funcional.

            O bom profissional da educação, ao esmerar-se na realização de seu trabalho, também perceberá os limites dele e de sua ação no interior da sala de aula; perceberá que sua luta não poderá circunscrever-se à escola, apesar de ser este o local de seu trabalho profissional.
            Entretanto, a transformação da sociedade depende do processo de desenvolvimento das forças produtivas, das relações sociais e (Ias contradições gestadas no seu interior. Pois, como diz Marx:

(...) ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes (...) De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculosa elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela.[6]

            Todavia, se a educação não é propriamente reprodutora nem redentora, também não é revolucionária. Ela expressa as contradições e a própria sociedade em que está inserida. A sociedade estabelece os limites e as possibilidades da educação; estabelece sua qualidade e sua quantidade, sua forma e seu conteúdo. Isto significa que lutar somente pela educação, é lutar em vão; que é necessário lutar pela educação lutando simultaneamente pela transformação da sociedade. Pois, "a exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões".[7]
            Mas, a superação das ilusões, bem como daquilo que as produz, não ocorre por um ímpeto voluntarista. Entretanto, nessas condições o acesso ao conhecimento científico, que se identifica com o domínio da organização e do funcionamento da realidade, aparece como uma condição sine qua non à transformação, mas não suficiente por si só. O acirramento das contradições e dos antagonismos sociais desencadeiam as condições para a mobilização social. Até não se apresentar uma situação limite em que esteja em jogo a sobrevivência do homem, imperará o individualismo, a competição, a concorrência, a busca de saída de tipo personalista e, no geral, de cada um a suas custas. Se a base material exige o estabelecimento de relações necessárias e independentes da vontade, somente no momento em que urna situação nova revelar a insuficiência das relações anteriores e exigir outras novas, elas serão desencadeadas.
            De que adianta "dizer" que é preciso mudar de mentalidade, que é preciso deixar de ser individualista, que é preciso ser solidário, que é preciso pensar no outro, que é preciso ser fraterno, que é preciso deixar o egoísmo de lado, se isso não passar de palavras de efeito e de tipo moralistas? Por isso, é necessário considerar o modo como a sociedade está organizada para garantir a sobrevivência. As pessoas até podem não querer explorar e dominar os outros; podem querer ser fraternas e solidárias, mas são forçadas a fazer o contrário devido ao modo de produção dominante.
            Portanto, não basta dizer que a educação é mediadora. Afinal, ela é mediadora para "n" coisas. Assim como é inócuo pensar que basta diferenciar educação de formação; que em vez de aluno (sem luz própria) os denominemos de educandos; que bas-ta estabelecer novos "paradigmas" de produção do conhecimento, pois impõe-se a mesma observação feita por Marx na Tese 3 sobre Feuerbach, em que afirmava:

A doutrina materialista da transformação das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias têm de ser transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado. (...) A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou autotransformação só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionária.[8]

            Ou seja, Marx reforça a tese de que, quem de fato educa o homem é a sociedade, tanto pelas pessoas que a fazem quanto pelas condições em que vivem. A educação corresponde ao nível de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção de cada sociedade, em cada época. Assim, a educação se transforma ou é transformada à medida em que também se transforma a sociedade, em que a luta se acirra. Novas relações de produção exigem novas relações sociais. Estas suscitam novas representações ideais, novas teorias, novos conceitos, novas idéias, condição para novas ações e novas práticas, para mudanças que possam ir além das do tipo estímulo resposta. Dessa forma, impõe-se mais do que nunca, conhecer cada vez melhor a sociedade, conhecer como ela se movimenta, como se transforma, para poder intervir nela nos momentos adequados. A verdadeira aprendizagem se dá na luta concreta, na percepção de que a sociedade de classes e a sociedade capitalista é inviável ao ser humano; na destruição das promessas e ilusões burguesas. Isso ocorre com as transformações sociais, que vão provocando novas relações e que, por sua vez, vão minando o sistema e desencadeando novas formas de se organizar e se viver socialmente. As formas de organização baseadas no individualismo e na competitividade, vão sendo superadas por formas de organização baseadas no coletivo e na cooperação, na negação do individualismo; vão rompendo com o personalismo e com a competitividade e levam à descoberta da necessidade de luta, de cooperação e do outro.
            Como se pode perceber, nesta sociedade, a educação, ainda que seja um espaço de contradição, no geral prepara o indivíduo para o mercado, para explorar ou para ser explorado, ou seja, para a adaptação e reprodução das condições vigentes. Entretanto, o que é que de fato importa? Importa é que a classe trabalhadora se liberte, que supere a dominação e conquiste a liberdade, não a ilusória e falsa liberdade burguesa, mas sim a liberdade humana; que construa uma nova humanidade e um novo homem, resultados do fim da propriedade privada e das classes sociais. Num sistema que submete tudo e todos à sua lógica é insuficiente promover reformas pontuais, periféricas e marginais. Mas, como conseguir isso? Vou citar três exemplos, dentre tantos, que permitem perceber que é possível construir uma nova humanidade.
            O primeiro é o exemplo da Comuna de Paris, que em 1871 demonstrou que se quisermos construir uma nova humanidade e ter uma nova educação que permita que o homem se desenvolva integralmente, não basta promover reformas, é preciso acabar com o modo de produção capitalista, com a sociedade de classes e com o Estado. A comuna demonstrou não apenas a possibilidade, mas a necessidade da unidade de classe dos trabalhadores, condição para o enfrentamento da classe dominante.
            O segundo é o exemplo das Madres da Praça de Maio da Argentina. As Madres que tiveram seus filhos perseguidos, presos, torturados, exilados e mortos por lutar e defender uma nova sociedade, inicialmente, passaram a procurar e buscar por seus filhos cada uma individualmente. Depois, os desafios fizeram com que elas se unissem e percebessem que o problema não era individual; perceber que outras mães também tinham filhos seqüestrados e mortos. Então passaram a se organizar e a lutar coletivamente. Na luta, perceberam que a comissão de direitos humanos, a igreja, os juízes, os políticos, além de não resolver seus problemas, de não trazer seus filhos de volta, eram cúmplices dos desaparecimentos e das atrocidades. Por isso, perceberam que era inútil recorrer a eles. Na luta compreenderam que a causa dos problemas está na sociedade de classes, na sociedade capitalista e que a única saída que havia para superá-los era lutar pela transformação radical da sociedade. Ou seja, de donas de casa, a luta levou as Madres a superar suas diferenças individuais, seus interesses pessoais e imediatos, e fez com que percebessem que a única condição dos fracos se fortalecerem é na unidade. Com isso, perceberam a necessidade de se transformarem em revolucionárias.
            O terceiro exemplo é o do MST — Movimento dos Trabalha-dores Sem Terra. Os sem-terra também cansaram da enganação, das ilusões e das promessas burguesas; cansaram das promessas de liberdade e de democracia; cansaram das promessas de que, "primeiro é preciso fazer crescer o bolo para depois dividi-lo"; de que primeiro é preciso acabar com a inflação, para depois promover a distribuição de renda; de que é preciso fazer a reforma agrária dentro da lei, dentro da negociação. Todas essas estratégias burguesas revelaram-se ilusões. Entretanto, disso tudo resultou a aprendizagem de que, só pela organização e pela luta o povo consegue conquistar seus "direitos"; só o povo organizado pode revolucionar e transformar a sociedade em que vive. Como diz Marx, a liberação dos trabalhadores será uma conquista dos próprios trabalhadores ou não será de mais ninguém. Os sem-terra também perceberam que não basta conquistar um pedaço de terra, pois o sistema produz um número infinitamente maior de sem-terra do que os que conseguem conquistar um pedaço de chão. Então, de uma luta voltada apenas para a conquista da terra individualmente, perceberam que mesmo que a luta fosse apenas por ela, no plano individual seria muito difícil de conquistar. Dessa aprendizagem resultou a compreensão de que a luta deve-ria ser coletiva, pois os seus problemas eram comuns. Além disso, entenderam que se a luta, mesmo sendo coletiva, tivesse seu fim apenas na conquista da terra e não como parte de um processo mais amplo, a superação do modo de produção capitalista, mais dia, menos dia, os problemas seus ou de outros voltariam a ser os mesmos.
            Se quiséssemos enumerar teríamos mais uma série de exemplos semelhantes a estes para citar, nos quais se revela que a verdadeira aprendizagem ocorre na luta. Mas, penso que estes já são suficientes para ajudar Os educadores a percebem que também precisam aprender com a luta e com a história. Basta olhar um pouco para a história para perceber as mentiras seculares propagadas pela burguesia e deixar de acreditar em suas promessas de progresso, de bem estar, de redenção pela educação. Portanto, é preciso perder a ilusão, deixar de ser ingênuo. É preciso partir para a luta, tendo como referência a identidade de classe. Como diz Marx, ou se resolvem os problemas na prática ou não se resolve.

As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta pela força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apossa dos homens. A teoria é capaz de prender os homens desde que demonstre sua verdadeira face ao homem, desde quese torne radical. Ser radical é atacar o problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio homem.[9]

            Mas, se é a sociedade que educa, qual o papel que cabe ao professor? Não nos esqueçamos que ele também faz parte da sociedade. E, nesse sentido, tem uma tarefa importante para cumprir.
            O professor realiza um trabalho social específico, não melhor, nem mais nobre ou superior, mas sim diferente dos demais trabalhadores; o professor não é um sacerdote. Se não fosse professor, como um trabalhador que precisa vender sua força de trabalho para poder sobreviver, possivelmente estaria realizando um outro tipo de trabalho qualquer e vendendo sua força como padeiro, marceneiro, agricultor, confeiteiro, vendedor, pedreiro, coveiro, escriturário, motorista etc. — estaria educando e sendo educado em outro local. Ou seja, seria membro da classe trabalhadora, submetido à mesma lógica do modo de produção capitalista como os demais trabalhadores, mas exercendo uma outra função social. Muitas vezes, pelo fato de o professor trabalhar com as idéias, tem a impressão de que não é trabalhador, de que não pertence à mesma classe dos demais. Daí a importância de se reconhecer como trabalhador, como membro da mesma classe, com a "missão" de, por intermédio do trabalho que realiza, contribuir para a superação de sua própria condição social.
            Enfim, o professor é um trabalhador que se especializou na arte de ensinar/aprender e, assim corno os demais trabalha-dores, deve realizar seu trabalho da melhor maneira possível. Para isso, não pode se dar o luxo de fazê-lo de qualquer jeito, confiar apenas na sua experiência, nos seus anos de trabalho, na sua própria sorte. Como profissionais da educação realizam uni tipo de trabalho de certa forma privilegiado que, ao mesmo tempo, permite que os educandos tenham acesso ao saber científico historicamente acumulado e fazer a crítica radical do conhecimento e da própria sociedade que o produz. Dependendo da forma como for realizado, o trabalho pode revelar a própria condição existencial dos trabalhadores em educação e também dos demais trabalhadores, possibilitando identificar-se como pertencentes a uma classe, à classe trabalhadora. O reconhecimento dos trabalhadores em geral e dos da educação como classe e o reconhecimento das condições a que esta classe está submetida, exige que, por meio do trabalho que realizam, contribuam para a superação de sua condição. No mínimo seria um contra-senso os trabalhadores da educação fazerem de conta que esta é uma instância neutra e limitarem-se à sua própria reprodução. Quando esta compreensão se generalizar, quando a classe trabalhadora compreender isto, quando sua consciência for tal que não mais aceite sua condição de explorado e de classe, ela própria se transformará na força material que deporá as estruturas que a produzem e construirá as condições para humanização do homem. Cabe ao professor, por meio do trabalho que realiza, portanto, ajudar a preparar o alunos para uma nova sociedade; a ajudar ao aluno transitar do estado de consciência alienada para a superação de seu estado de classe; servir de ponte entre a realidade atual e a que se quer construir.
            Os três exemplos acima, apesar de reforçarem o papel da luta organizada para educar e transformar a sociedade não desprezam a educação escolarizada, mesmo que dentro de suas limitadas possibilidades, dado o caráter dependente em relação às demais estruturas sociais. Tanto a Comuna de Paris, quanto as Madres da Praça de Maio como os sem-terra trataram de construir suas próprias escolas e elaborar suas próprias propostas educacionais, adequando-as, porém, às suas concepções e aos seus projetos de mundo e de sociedade.
            Ou nos organizamos e lutamos pela transformação da sociedade ou então não teremos uma educação de nova modalidade nem construiremos um homem novo.




Referências bibliográficas

MARX, K ENGELS, F. "Manifesto do Partido Comunista". In: Revista de Estudos Avançados da USE. São Paulo: Vol. 12, n° 34, set./dez., 1998.

MARX, K. Prefácio à "Contribuição à crítica da Economia Política". In: MARX, K & ENGELS, E Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, s/d.

__________. "Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel". In: MARX, K. A questão judaica. 5a edição, São Paulo: Centauro, 2000.

__________. "Teses sobre Feuerbach". In: A ideologia alemã. Lis-boa: edições avante, 1981, p. 104.

ORSO, José Paulino. "As possibilidades e os limites da educação". In: ORSO, José Paulino. A Comuna de Paris de 1871: história e atualidade. São Paulo: Editora Ícone, 2002.


Referência deste texto e do livro

ORSO, Paulino José. A educação na sociedade de classes: possibilidades e limites. In Educação e luta de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

ORSO, Paulino José; GONÇALVES, Sebastião Rodrigues; MATTOS, Valci Maria (org.). Educação e luta de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.


[1] Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná — Unioeste —, mem-bro do Espaço Marx — SP, líder do Grupo de Pesquisa em História, Socie-dade e Educação — GT da Região Oeste do Paraná — HISTEDOPR. E-mail: paulinorso@uol.com.br
[2] Cf. ORSO, J. "As possibilidades e os limites da educação", pp. 89-102.
[3] MARX, K e ENGELS, F. "Manifesto do Partido Comunista", p. 7.
[4] MARX, K. Prefácio à "Contribuição à critica da Economia Política", p. 301.
[5] MÉSZÁROS, I. Educação para além do capital.
[6] MARX, K. Prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política", p. 301.
[7] MARX, K. "Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel", p. 86.
[8] MARX, K. "Teses sobre Feuerbach", p. 104.
[9] MARX, K. "Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel", p. 94