A educação na
sociedade de classes:
possibilidades
e limites
Paulino José Orso[1]
Em
um artigo denominado "As possibilidades e os limites da educação"[2],
publicado por ocasião das comemorações dos 130 anos da Comuna de Paris de 1871,
realizadas em 2001, concluía o mesmo afirmando que quem acredita na educação
luta para transformar a sociedade. Pois bem, neste partimos desta premissa para
tratarmos da educação na sociedade de classes.
Muito
se tem discutido sobre o papel da educação na sociedade, se ela apenas reproduz
a sociedade em que está inserida ou se ela é ou pode ser revolucionária a ponto
de transformar toda a sociedade.
Entretanto,
muitos, em vez de analisa-Ia e compreendê-la de acordo com a categoria da
totalidade, caem na perspectiva positivista e simplesmente deslocam-na do
conjunto das relações sociais de produção, embrenham-se pelo idealismo e
apresentam-na como se fosse capaz de promover o desenvolvimento econômico,
garantir o bem estar social e conduzir a todos à felicidade; fazem dela a responsável
pelo sucesso ou fracasso de cada um. Analisando-a de forma abstrata, deslocada
das contradições e dos antagonismos de classes, atribuem a ela um caráter
redentor. Entretanto, existem "n" formas de educação; não é possível
para falar de educação abstratamente, nem desconsiderando a história. Além
disso, as finalidades com que se educa também não são as mesmas em todas as
épocas, em todos os lugares e em todas as sociedades. Simplificando,
poder-se-ia dividir a educação em dois tipos: a formal e a informal. A primeira
refere-se àquela ministrada em sala de aula, com professores, programas,
conteúdos, objetivos definidos, que é realizada de forma sistemática. A segunda
diz respeito à realizada cotidianamente, baseada nos costumes, nas leis, nas
tradições, nas lutas do dia-a-dia, nas mobilizações, na aprendizagem durante a
vida. Ambas são formas de educação e variam de acordo com a sociedade, com as
relações de força envolvidas, com a época, com o estágio de desenvolvimento e o
lugar em que ocorrem. Mas, afinal de contas, o que é ou em que consiste a
educação? Se pudéssemos abarcá-las numa mesma definição, poderia se dizer que a
educação é a forma como a própria sociedade prepara seus membros para viverem
nela mesma.
Ora,
se a educação é a forma como a sociedade educa seus membros para viverem nela
mesma, então, para compreender a educação precisamos compreender a sociedade.
Assim, na me-dida em que a compreendermos, também entenderemos aquela. Partindo
do princípio de que, após o surgimento da propriedade privada dos meios de
produção, a história da humanidade tem sido a história das lutas de classes[3]
e que atualmente vivemos no modo de produção capitalista, baseado na extração
da mais-valia, na exploração, na competição e na concorrência, a educação, submetendo-se
às determinações da base material, no geral acaba contribuindo para a
reprodução desta sociedade, pois, "na produção social de sua vida, os
homens contraem determinadas relações de produção necessárias e independentes
da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase de
desenvolvimento das forças produtivas materiais"[4].
Ou seja, a educação tende a "refletir" a sociedade que a produz,
pois, expressa o nível de compreensão dos que a fazem, permitida pela sociedade
de cada época, de acordo com a etapa de desenvolvimento e das relações sociais.
Quanto
à educação formal, ela geralmente se parece mais com uma forma de adestramento,
disciplinarização, treinamento e docilização dos indivíduos, do que como meio
de transformação e de revolução social. Mesmo quando tem a preocupação de ser
crítica, de subverter a ordem acadêmica e de questionar o sistema vigente, o
que é um tanto raro e incomum nos tempos atuais, é envolvida por um amplo
aparato disciplinar e burocrático deixando pouco espaço para a flexibilidade e
para a realização de experiências alternativas. Além disso, na maioria das
vezes, os conteúdos estão mais voltados para ensinar que "a Eva viu a
uva", ou seja, conteúdos abstratos, do que para compreender a vida concreta,
isto é, a matemática da fome, o português da violência, a geografia e a
história da exploração e dos problemas sociais, a ciência da história da vida
real dos homens e voltam-se mais para a adaptação, para a alienação e para o
conformismo do aluno ao meio do que para desmistificar, para questionar as
condições de vida e o modo de produção capitalista.
Esta
forma de educação corresponde à essa sociedade, que tem na alienação da força
de trabalho e, conseqüentemente, na alienação da consciência um meio de se
reproduzir e se perpetuar. E não poderia admitir outra, pois se o fizesse,
corresponderia a outra sociedade e não à de classes. Como ela não é constituída
por um bloco monolítico, também é permeada por contradições e, eventualmente,
até pode permitir a realização de algumas experiências diferentes. Todavia, no
geral, predomina um tipo de educação abstrata, necessária à essa sociedade,
pois, sendo o determinante maior a base material, da condiciona a consciência
estabelecendo-se assim um tipo de educação correspondente a ela. Ou seja, urna
educação voltada para estimular o individualismo, para fomentar a competição,
para enaltecer a concorrência, para premiar pela produtividade e punir pelos
resultados não desejados, permitindo, assim, selecionar os mais aptos e mais
adaptados, de acordo com os valores vigentes nessa sociedade — uma educação
para a subserviência.
Ao
lado desta, na América Latina, têm surgido inúmeras formas de educação popular;
umas de forma institucionalizadas outras não. No Brasil, por exemplo, tivemos a
experiência realizada por Paulo Freire, em que o aluno, ao mesmo tempo que
aprendia a ler e escrever, também era levado a ler, compreender e interpretar o
mundo e a sociedade em que vivia. Todavia, a ditadura militar se encarregou de
esmagar a experiência e exilar seu idealizador. Em substituição a esse método,
implantaram o Movimento Brasileiro de Alfabetização — Mobral, que visava
eliminar um determinado conteúdo político e ideológico e substituí-lo por
outro, por uma educação moral e cívica, adequada ao militarismo desenvolvimentista da época.
Mas,
se a educação está mais voltada para a adaptação do indivíduo ao meio e se este
se constitui na sociedade capitalista em que um homem explora e domina o outro,
porque se preocupar em alfabetizar e educar milhões de seres humanos que não
sabem ler e escrever? Nossa sociedade é uma sociedade gráfica, isto é, baseada
na escrita. Saber ler e escrever significa ter acesso a um mínimo de
sociabilidade, ter um mínimo de autonomia individual. Entretanto, a escrita foi
inventada há mais de 6.500 anos e um bilhão de pessoas ainda não sabe ler e
escrever. No Brasil, por exemplo, ainda temos cerca de 18 a 20 milhões de
analfabetos, sem contar os analfabetos funcionais, que mal ou apenas sabem ler
e escrever. Portanto, alfabetizar e possibilitar o acesso ao conhecimento
formal, não significa fazer nenhuma grande revolução social. Mas, pelo menos,
significa permitir que a pessoa saia do estado vegetativo e conquiste um mínimo
de autonomia e independência perante o mundo em que vive, ainda que isto seja
insuficiente para que realmente seja um homem livre e viva com um mínimo de
dignidade.
Mas,
mesmo nessa sociedade capitalista, é possível garantir que todas as pessoas
tenham acesso a um mínimo de educação formal ou até mesmo à escola pública e
gratuita? Para a sociedade capitalista, em sua forma pública ou privada, em
princípio não há nenhum problema em oferecer educação para todos. Aliás,
paulatinamente vemos o acesso à escola se popularizar cada vez mais, a ponto de
que, mais dia menos dia, ela até possa ser universalizada.
No
campo da educação, nesse momento também vemos a iniciativa privada avançar a
passos largos. Contudo, é possível que em algum momento, de acordo com o grau
de exigência social, a chamada educação pública possa vir a ser ofertada a
todos (tese esta um tanto utópica, mas perfeitamente possível). Se ela
preservar, não questionar e não pôr em risco a propriedade privada, se houver
condições econômicas suficiente para bancá-la, não há nenhum problema em
universalizá-la. Entretanto, sabemos que a extensão da educação a mais ou menos
pessoas, dependerá da pressão da sociedade, da exigência social e das
necessidades do capital em cada época. Por isso, ainda que em determinado
momento existam as condições materiais necessárias para possibilitá-la a todos,
poderá não ser estendida ou somente será oportunizada quando existir pressão
popular suficientemente forte e capaz de transformar o potencial em algo real.
Pois, ela pode ser utilizada como uma moeda de negociação e canalização das
lutas sociais. Por outro lado, se ela for paga, o problema será menor ainda.
Pois, até servirá como um campo de extensão e de ampliação do capital em um
momento de crise de acumulação, por exemplo.
No
momento em que o capital passa por uma profunda cri-se de superprodução, em que
o capital encontra-se estrangulado, existem duas saídas para ela. Urna está na
imposição da flexibilização e liberalização das fronteiras, no rompimento das
barreiras e na desburocratização para abrir novos espaços e campos para o seu
desenvolvimento. A outra está na necessidade de queimar e destruir forças
produtivas, por exemplo, por meio da guerra, sob pena de provocar seu próprio
aniquilamento. Então, a desestatização e a privatização transformam-se em
alternativas que permitem desafogar, ao menos temporariamente, a crise do
capital e garantir um novo, porém pequeno, período de desenvolvimento, até
gerar uma nova crise.
O
sucateamento da escola pública e a expansão da escola privada inserem-se dentro
das necessidades do capital, uma vez que, "os processos educacionais e os
processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente
ligados"[5].
Assim, para compreender as características da escola, para entender o processo
de expansão e de retração da escola pública, bem como, da expansão da escola
particular é preciso entender o processo de desenvolvimento do capital e seus
ciclos de desenvolvimento e de crise.
Portanto,
é um equívoco centrar a discussão educacional numa abstração em, se ela é ou
não é reprodutora, se ela é ou não é transformadora, se ela é ou pode ser
revolucionária. Como a sociedade não é homogênea, como está permeada de
contradições, de lutas e antagonismos de classes, a educação se transforma de
acordo com movimento da sociedade, que ao se transformar e ser transformada,
também possibilita uma educação de tipo diferente, adequada à nova realidade.
Assim, em cada época e em cada sociedade, a educação "reflete" as
condições do desenvolvimento social, o nível de desenvolvimento das forças
produtivas e a relação de forças entre as classes envolvidas.
Desse
modo, falar da educação numa sociedade de classes, numa sociedade capitalista,
significa dizer que ela está voltada à conservação do status quo e à
legitimação das estruturas sociais vigentes. Se quisermos ter outro tipo de
educação não nos resta outra alternativa senão lutar pela transformação da
sociedade.
A
sociedade centralizada, hierárquica, especializada, elitista e seletiva como
está organizada atualmente, bloqueia, cerceia e inibe as iniciativas que possam
desafiá-la. Nesse sentido, como diz Harper,
é certo, porém, que estas
experiências, ao aproveitarem as brechas existentes e ao utilizarem os espaços
disponíveis, esgotam o campo do possível no interior do sistema escolar. Os
educadores, os pais de alunos e os estudantes que conseguirem criar esses
espaços de liberdade e de experimentação fazem de sua prática educativa uma
negação viva do modo de organização social dominante e do tipo de escola
seletiva e elitista que lhe é funcional.
O bom profissional da educação, ao
esmerar-se na realização de seu trabalho, também perceberá os limites dele e de
sua ação no interior da sala de aula; perceberá que sua luta não poderá
circunscrever-se à escola, apesar de ser este o local de seu trabalho
profissional.
Entretanto, a transformação da
sociedade depende do processo de desenvolvimento das forças produtivas, das
relações sociais e (Ias contradições gestadas no seu interior. Pois, como diz
Marx:
(...) ao chegar a uma determinada
fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam
com as relações de produção existentes (...) De formas de desenvolvimento das
forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculosa elas. E se abre,
assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica,
revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida
sobre ela.[6]
Todavia, se a educação não é
propriamente reprodutora nem redentora, também não é revolucionária. Ela expressa
as contradições e a própria sociedade em que está inserida. A sociedade
estabelece os limites e as possibilidades da educação; estabelece sua qualidade
e sua quantidade, sua forma e seu conteúdo. Isto significa que lutar somente
pela educação, é lutar em vão; que é necessário lutar pela educação lutando
simultaneamente pela transformação da sociedade. Pois, "a exigência de
abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição
que necessita de ilusões".[7]
Mas, a superação das ilusões, bem
como daquilo que as produz, não ocorre por um ímpeto voluntarista. Entretanto,
nessas condições o acesso ao conhecimento científico, que se identifica com o
domínio da organização e do funcionamento da realidade, aparece como uma
condição sine qua non à
transformação, mas não suficiente por si só. O acirramento das contradições e
dos antagonismos sociais desencadeiam as condições para a mobilização social.
Até não se apresentar uma situação limite em que esteja em jogo a sobrevivência
do homem, imperará o individualismo, a competição, a concorrência, a busca de
saída de tipo personalista e, no geral, de cada um a suas custas. Se a base
material exige o estabelecimento de relações necessárias e independentes da
vontade, somente no momento em que urna situação nova revelar a insuficiência
das relações anteriores e exigir outras novas, elas serão desencadeadas.
De que adianta "dizer" que
é preciso mudar de mentalidade, que é preciso deixar de ser individualista, que
é preciso ser solidário, que é preciso pensar no outro, que é preciso ser
fraterno, que é preciso deixar o egoísmo de lado, se isso não passar de
palavras de efeito e de tipo moralistas? Por isso, é necessário considerar o
modo como a sociedade está organizada para garantir a sobrevivência. As pessoas
até podem não querer explorar e dominar os outros; podem querer ser fraternas e
solidárias, mas são forçadas a fazer o contrário devido ao modo de produção
dominante.
Portanto, não basta dizer que a
educação é mediadora. Afinal, ela é mediadora para "n" coisas. Assim
como é inócuo pensar que basta diferenciar educação de formação; que em vez de
aluno (sem luz própria) os denominemos de educandos; que bas-ta estabelecer
novos "paradigmas" de produção do conhecimento, pois impõe-se a mesma
observação feita por Marx na Tese 3 sobre Feuerbach, em que afirmava:
A doutrina materialista da
transformação das circunstâncias e da educação esquece que as circunstâncias
têm de ser transformadas pelos homens e que o próprio educador tem de ser educado.
(...) A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou
autotransformação só pode ser tomada e racionalmente entendida como práxis
revolucionária.[8]
Ou seja, Marx reforça a tese de que,
quem de fato educa o homem é a sociedade, tanto pelas pessoas que a fazem
quanto pelas condições em que vivem. A educação corresponde ao nível de
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção de cada
sociedade, em cada época. Assim, a educação se transforma ou é transformada à
medida em que também se transforma a sociedade, em que a luta se acirra. Novas
relações de produção exigem novas relações sociais. Estas suscitam novas
representações ideais, novas teorias, novos conceitos, novas idéias, condição
para novas ações e novas práticas, para mudanças que possam ir além das do tipo
estímulo resposta. Dessa forma, impõe-se mais do que nunca, conhecer cada vez
melhor a sociedade, conhecer como ela se movimenta, como se transforma, para
poder intervir nela nos momentos adequados. A verdadeira aprendizagem se dá na
luta concreta, na percepção de que a sociedade de classes e a sociedade
capitalista é inviável ao ser humano; na destruição das promessas e ilusões
burguesas. Isso ocorre com as transformações sociais, que vão provocando novas
relações e que, por sua vez, vão minando o sistema e desencadeando novas formas
de se organizar e se viver socialmente. As formas de organização baseadas no
individualismo e na competitividade, vão sendo superadas por formas de
organização baseadas no coletivo e na cooperação, na negação do individualismo;
vão rompendo com o personalismo e com a competitividade e levam à descoberta da
necessidade de luta, de cooperação e do outro.
Como se pode perceber, nesta
sociedade, a educação, ainda que seja um espaço de contradição, no geral
prepara o indivíduo para o mercado, para explorar ou para ser explorado, ou
seja, para a adaptação e reprodução das condições vigentes. Entretanto, o que é
que de fato importa? Importa é que a classe trabalhadora se liberte, que supere
a dominação e conquiste a liberdade, não a ilusória e falsa liberdade burguesa,
mas sim a liberdade humana; que construa uma nova humanidade e um novo homem,
resultados do fim da propriedade privada e das classes sociais. Num sistema que
submete tudo e todos à sua lógica é insuficiente promover reformas pontuais,
periféricas e marginais. Mas, como conseguir isso? Vou citar três exemplos,
dentre tantos, que permitem perceber que é possível construir uma nova
humanidade.
O primeiro é o exemplo da Comuna de
Paris, que em 1871 demonstrou que se quisermos construir uma nova humanidade e
ter uma nova educação que permita que o homem se desenvolva integralmente, não
basta promover reformas, é preciso acabar com o modo de produção capitalista,
com a sociedade de classes e com o Estado. A comuna demonstrou não apenas a
possibilidade, mas a necessidade da unidade de classe dos trabalhadores,
condição para o enfrentamento da classe dominante.
O segundo é o exemplo das Madres da
Praça de Maio da Argentina. As Madres que tiveram seus filhos perseguidos,
presos, torturados, exilados e mortos por lutar e defender uma nova sociedade,
inicialmente, passaram a procurar e buscar por seus filhos cada uma
individualmente. Depois, os desafios fizeram com que elas se unissem e
percebessem que o problema não era individual; perceber que outras mães também
tinham filhos seqüestrados e mortos. Então passaram a se organizar e a lutar
coletivamente. Na luta, perceberam que a comissão de direitos humanos, a
igreja, os juízes, os políticos, além de não resolver seus problemas, de não
trazer seus filhos de volta, eram cúmplices dos desaparecimentos e das
atrocidades. Por isso, perceberam que era inútil recorrer a eles. Na luta
compreenderam que a causa dos problemas está na sociedade de classes, na
sociedade capitalista e que a única saída que havia para superá-los era lutar
pela transformação radical da sociedade. Ou seja, de donas de casa, a luta
levou as Madres a superar suas diferenças individuais, seus interesses pessoais
e imediatos, e fez com que percebessem que a única condição dos fracos se
fortalecerem é na unidade. Com isso, perceberam a necessidade de se
transformarem em revolucionárias.
O terceiro exemplo é o do MST —
Movimento dos Trabalha-dores Sem Terra. Os sem-terra também cansaram da
enganação, das ilusões e das promessas burguesas; cansaram das promessas de
liberdade e de democracia; cansaram das promessas de que, "primeiro é
preciso fazer crescer o bolo para depois dividi-lo"; de que primeiro é
preciso acabar com a inflação, para depois promover a distribuição de renda; de
que é preciso fazer a reforma agrária dentro da lei, dentro da negociação.
Todas essas estratégias burguesas revelaram-se ilusões. Entretanto, disso tudo
resultou a aprendizagem de que, só pela organização e pela luta o povo consegue
conquistar seus "direitos"; só o povo organizado pode revolucionar e
transformar a sociedade em que vive. Como diz Marx, a liberação dos
trabalhadores será uma conquista dos próprios trabalhadores ou não será de mais
ninguém. Os sem-terra também perceberam que não basta conquistar um pedaço de
terra, pois o sistema produz um número infinitamente maior de sem-terra do que
os que conseguem conquistar um pedaço de chão. Então, de uma luta voltada
apenas para a conquista da terra individualmente, perceberam que mesmo que a
luta fosse apenas por ela, no plano individual seria muito difícil de
conquistar. Dessa aprendizagem resultou a compreensão de que a luta deve-ria
ser coletiva, pois os seus problemas eram comuns. Além disso, entenderam que se
a luta, mesmo sendo coletiva, tivesse seu fim apenas na conquista da terra e
não como parte de um processo mais amplo, a superação do modo de produção
capitalista, mais dia, menos dia, os problemas seus ou de outros voltariam a
ser os mesmos.
Se quiséssemos enumerar teríamos
mais uma série de exemplos semelhantes a estes para citar, nos quais se revela
que a verdadeira aprendizagem ocorre na luta. Mas, penso que estes já são
suficientes para ajudar Os educadores a percebem que também precisam aprender
com a luta e com a história. Basta olhar um pouco para a história para perceber
as mentiras seculares propagadas pela burguesia e deixar de acreditar em suas
promessas de progresso, de bem estar, de redenção pela educação. Portanto, é preciso
perder a ilusão, deixar de ser ingênuo. É preciso partir para a luta, tendo
como referência a identidade de classe. Como diz Marx, ou se resolvem os
problemas na prática ou não se resolve.
As armas da crítica não podem, de
fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta pela
força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que
se apossa dos homens. A teoria é capaz de prender os homens desde que demonstre
sua verdadeira face ao homem, desde quese torne radical. Ser radical é atacar o
problema em suas raízes. Para o homem, porém, a raiz é o próprio homem.[9]
Mas, se é a sociedade que educa,
qual o papel que cabe ao professor? Não nos esqueçamos que ele também faz parte
da sociedade. E, nesse sentido, tem uma tarefa importante para cumprir.
O professor realiza um trabalho
social específico, não melhor, nem mais nobre ou superior, mas sim diferente
dos demais trabalhadores; o professor não é um sacerdote. Se não fosse
professor, como um trabalhador que precisa vender sua força de trabalho para
poder sobreviver, possivelmente estaria realizando um outro tipo de trabalho
qualquer e vendendo sua força como padeiro, marceneiro, agricultor,
confeiteiro, vendedor, pedreiro, coveiro, escriturário, motorista etc. —
estaria educando e sendo educado em outro local. Ou seja, seria membro da
classe trabalhadora, submetido à mesma lógica do modo de produção capitalista
como os demais trabalhadores, mas exercendo uma outra função social. Muitas
vezes, pelo fato de o professor trabalhar com as idéias, tem a impressão de que
não é trabalhador, de que não pertence à mesma classe dos demais. Daí a
importância de se reconhecer como trabalhador, como membro da mesma classe, com
a "missão" de, por intermédio do trabalho que realiza, contribuir
para a superação de sua própria condição social.
Enfim, o professor é um trabalhador
que se especializou na arte de ensinar/aprender e, assim corno os demais
trabalha-dores, deve realizar seu trabalho da melhor maneira possível. Para isso,
não pode se dar o luxo de fazê-lo de qualquer jeito, confiar apenas na sua
experiência, nos seus anos de trabalho, na sua própria sorte. Como
profissionais da educação realizam uni tipo de trabalho de certa forma
privilegiado que, ao mesmo tempo, permite que os educandos tenham acesso ao
saber científico historicamente acumulado e fazer a crítica radical do
conhecimento e da própria sociedade que o produz. Dependendo da forma como for
realizado, o trabalho pode revelar a própria condição existencial dos
trabalhadores em educação e também dos demais trabalhadores, possibilitando
identificar-se como pertencentes a uma classe, à classe trabalhadora. O
reconhecimento dos trabalhadores em geral e dos da educação como classe e o
reconhecimento das condições a que esta classe está submetida, exige que, por
meio do trabalho que realizam, contribuam para a superação de sua condição. No
mínimo seria um contra-senso os trabalhadores da educação fazerem de conta que
esta é uma instância neutra e limitarem-se à sua própria reprodução. Quando
esta compreensão se generalizar, quando a classe trabalhadora compreender isto,
quando sua consciência for tal que não mais aceite sua condição de explorado e
de classe, ela própria se transformará na força material que deporá as
estruturas que a produzem e construirá as condições para humanização do homem.
Cabe ao professor, por meio do trabalho que realiza, portanto, ajudar a
preparar o alunos para uma nova sociedade; a ajudar ao aluno transitar do
estado de consciência alienada para a superação de seu estado de classe; servir
de ponte entre a realidade atual e a que se quer construir.
Os três exemplos acima, apesar de
reforçarem o papel da luta organizada para educar e transformar a sociedade não
desprezam a educação escolarizada, mesmo que dentro de suas limitadas
possibilidades, dado o caráter dependente em relação às demais estruturas
sociais. Tanto a Comuna de Paris, quanto as Madres da Praça de Maio como os
sem-terra trataram de construir suas próprias escolas e elaborar suas próprias
propostas educacionais, adequando-as, porém, às suas concepções e aos seus
projetos de mundo e de sociedade.
Ou nos organizamos e lutamos pela
transformação da sociedade ou então não teremos uma educação de nova modalidade
nem construiremos um homem novo.
Referências bibliográficas
MARX,
K ENGELS, F. "Manifesto do Partido Comunista". In: Revista de Estudos
Avançados da USE. São Paulo: Vol. 12, n° 34, set./dez., 1998.
MARX,
K. Prefácio à "Contribuição à crítica da Economia Política". In:
MARX, K & ENGELS, E Obras Escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, s/d.
__________.
"Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel". In: MARX, K.
A questão judaica. 5a edição, São Paulo: Centauro, 2000.
__________.
"Teses sobre Feuerbach". In: A ideologia alemã. Lis-boa: edições
avante, 1981, p. 104.
ORSO,
José Paulino. "As possibilidades e os limites da educação". In: ORSO,
José Paulino. A Comuna de Paris de 1871: história e atualidade. São Paulo:
Editora Ícone, 2002.
Referência deste texto e do livro
ORSO, Paulino José. A educação na sociedade de classes: possibilidades e limites. In Educação
e luta de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
ORSO, Paulino José; GONÇALVES, Sebastião
Rodrigues; MATTOS, Valci Maria (org.). Educação
e luta de classes. São Paulo: Expressão Popular, 2008.
[1]
Docente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná — Unioeste —, mem-bro do
Espaço Marx — SP, líder do Grupo de Pesquisa em História, Socie-dade e Educação
— GT da Região Oeste do Paraná — HISTEDOPR. E-mail: paulinorso@uol.com.br
[2] Cf. ORSO, J. "As
possibilidades e os limites da educação", pp. 89-102.
[3]
MARX, K e ENGELS, F. "Manifesto do Partido Comunista", p. 7.
[4] MARX, K. Prefácio à "Contribuição à critica da
Economia Política", p. 301.
[5]
MÉSZÁROS, I. Educação
para além do capital.
[6]
MARX, K. Prefácio à "Contribuição à Crítica da Economia Política", p.
301.
[8] MARX, K. "Teses sobre Feuerbach", p. 104.
[9]
MARX, K. "Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel", p.
94
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